sexta-feira, 23 de abril de 2010

closed (2002)

a exibição é particular
o desfile de estados patéticos de espírito
é exclusivo do promotor
é vedado o acesso ao público
aos de fora, a propaganda
a beleza esmerada
a imagem aprazível
tudo que rende bons frutos
(os únicos que colho)
os maus, eu aborto
devoro meus filhos incapazes
tenho um matadouro na alma
onde sacrifico a incapacidade própria
para suportar alegremente
a incapacidade coletiva.

resgate (1999)

negras vestes dizem aos que observam
"aqui jaz"
que estranho fascínio reside na idéia da morte?
aproximam-se com interesse
antevendo o trágico desfecho
não podem resistir à atração sinistra
falar dessas coisas é deleitoso
gravar tais imagens é tentador
que alimento mórbido toma-se hoje
à base de dor e sofrer alheios!
dias explêndidos estes
em que a miséria humana
só ganha olhares ao se pintar de encarnado
em que a razão do luto das vestes
é o próprio ser que elas ocultam
mas símbolos não bastam para explicar
que aquele a quem tentam salvar
há muito já estava morto.

passando da hora (1999)

não sabia que certas coisas
evaporavam
por isso me espanta a névoa
que dá a meus olhos a impressão de ver de longe
as imagens não se fixam
e é isso que as permite perdurar
muito do que é encontrado
é destruído de modo eficaz
assim a dúvida é uma esperança
de que algo sobreviva
por não sabermos de sua existência
assassinamos o brilho da nossa idade
e alguns ostentam com orgulho
os símbolos
de sua gradativa imobilidade
lá está a estrada
e meus pés
estão acorrentados a ponteiros de relógio
aqui estamos nós
dançando ao som do toque de recolher.

eco (2010)

suco de maracujá
encanto agridoce
gosto de infância
soprado pelo vento úmido
numa terra de poucas crianças
desatenção no dever
mergulho no próprio ser
materialização gráfica
de um sonho de olhos abertos.

door (2010)

quem nos trancou em nós mesmos
jogou a chave fora
choramos a portas fechadas
esperando que alguém nos escute
escrevemos cartas cifradas
que nem nós entendemos
nos alimentamos do medo
que há em sair da gaiola
e descobrir que não se sabe mais voar.

day after (2010)

o que vem depois disso?
tristeza?
lágrimas?
deixa vir
deixa rolarem
que o luto exista
e desista de existir
porque a luta continua
e só quem se foi de vez
já pode dencansar em paz.